Durante anos, a geração Y — formada por pessoas nascidas entre meados dos anos 1980 e o fim dos anos 1990 — ouviu que era possível fazer o que se ama, viver do próprio talento e transformar paixões em carreira. Com a expansão das startups, o discurso do “propósito profissional” se consolidou como promessa de um futuro mais leve e significativo. Mas, na prática, a realidade dos boletos, do aluguel caro e da instabilidade econômica tem levado muitos a questionar: é possível sustentar um ideal quando se luta para sobreviver?
Nos últimos anos, o cenário mudou drasticamente. A precarização do trabalho, o custo de vida nas grandes cidades, o avanço da automação e a alta rotatividade em setores criativos e digitais colocaram em xeque o romantismo do “trabalhe com o que você ama”. Para muitos jovens adultos, especialmente após a pandemia, a prioridade passou a ser estabilidade — emocional, financeira e física —, mesmo que isso signifique abrir mão de sonhos profissionais idealizados.
Essa mudança não é um fracasso geracional, como alguns sugerem, mas uma adaptação sensata a um mercado cada vez mais competitivo e volátil. Empregos que prometiam autonomia e liberdade, como o empreendedorismo digital ou o trabalho freelancer, muitas vezes entregam jornadas exaustivas, sem direitos trabalhistas e com rendimentos incertos. A sensação de estar sempre produzindo, sem nunca alcançar uma segurança mínima, tem levado muitos ao burnout e à frustração silenciosa.
Ao mesmo tempo, cresce um movimento de reconciliação entre propósito e pragmatismo. Muitos profissionais estão reformulando seus conceitos de sucesso: não mais baseados em status ou vocação absoluta, mas em equilíbrio, impacto real e tempo de qualidade. Trabalhar com propósito, hoje, não significa necessariamente seguir uma paixão, mas entender o valor que se entrega — seja numa grande empresa, num pequeno negócio ou mesmo em uma função considerada tradicional.
Outro fator importante é o surgimento de empresas mais conscientes da necessidade de bem-estar no trabalho. Ambientes que respeitam limites, oferecem flexibilidade, promovem inclusão e investem em desenvolvimento humano são cada vez mais valorizados por essa geração, que já não aceita pagar o preço da saúde mental em nome da carreira. O salário continua sendo decisivo, mas já não é o único critério.
O dilema entre propósito e boleto, no fundo, é o retrato de uma geração que amadureceu — não sem dor — diante de um mundo que nem sempre cumpre suas promessas. Entre o idealismo juvenil e a dureza do cotidiano, muitos estão aprendendo a encontrar um caminho possível: menos romântico, mais real, mas ainda assim significativo. E talvez esse seja o verdadeiro propósito do trabalho no século XXI.