Uma nova onda de golpes militares varre o Sahel africano, região que se estende do Atlântico ao Mar Vermelho, atravessando países como Mali, Burkina Faso, Níger e Chade. Nos últimos três anos, ao menos seis governos civis foram depostos por juntas militares, escancarando um cenário de instabilidade crescente, rejeição às estruturas democráticas ocidentais e uma perigosa reaproximação com potências autoritárias, como a Rússia.
Os golpes, em geral, são justificados por discursos nacionalistas e promessas de restaurar a ordem frente a ameaças terroristas e à corrupção endêmica. Em muitos casos, os líderes militares ganham apoio popular inicial, sobretudo entre os mais jovens, insatisfeitos com a ineficiência de governos civis que, aos seus olhos, governaram em benefício de poucos e sob influência direta da França e de instituições multilaterais como a ONU.
O enfraquecimento das democracias no Sahel, no entanto, vai além da política interna. A região se tornou o novo epicentro da disputa geopolítica global, com o Ocidente tentando manter sua influência histórica e países como Rússia, China, Turquia e Irã oferecendo apoio militar, econômico e estratégico às novas lideranças. O grupo Wagner, milícia russa com atuação já consolidada na África, se apresenta como alternativa aos modelos de cooperação tradicionais.
Por outro lado, a população civil sofre. A insegurança alimentar, a escalada da violência extremista e o colapso de serviços públicos agravam a crise humanitária. Milhões de pessoas estão deslocadas, fronteiras foram fechadas e a cooperação entre países do bloco econômico ECOWAS se encontra em xeque. O que era uma promessa de renovação patriótica, para muitos, já começa a se transformar em um ciclo de repressão, censura e instabilidade contínua.
A comunidade internacional reage com cautela. Sanções econômicas, condenações formais e ameaças de intervenção armada têm surtido pouco efeito. O descompasso entre o que as populações locais desejam e o que os organismos internacionais oferecem tem aumentado a desconfiança. A ideia de “democracia importada” perde força, dando espaço a soluções locais — nem sempre democráticas —, mas que prometem segurança e autonomia.
O que acontece no Sahel não é um episódio isolado: é um sinal de que, em regiões marcadas pela pobreza estrutural, ausência de políticas públicas eficazes e influência externa desgastada, o modelo liberal de governança enfrenta sua maior crise de legitimidade em décadas. O mundo assiste atento — e, em muitos casos, hesitante — enquanto a África Ocidental redefine, à sua maneira, os contornos de poder e soberania no século XXI.