Alberto Pereira, artista visual carioca conhecido por suas colagens, lambe-lambes e intervenções urbanas, inaugura mostra que convida o público a enfrentar — e refletir — sobre o racismo estrutural, desigualdades e a invisibilidade cotidiana. Suas criações não ficam confinadas às galerias: ocupam muros, postes, espaços públicos, dialogando diretamente com quem cruza as ruas todos os dias.
Uma de suas séries mais conhecidas, Pele de Rua, parte da ideia da cidade como organismo vivo, cujas “peles” são as camadas visuais, os lambe-lambes, cartazes soltos, restos de papel colados ou descolados. Pereira recolhe esses fragmentos, reutiliza papéis, texturas, sobreposições, dando corpo a uma poética do descarte, da memória urbana, mas também da resistência.
As imagens de figuras negras revisitam ícones ou personalidades, muitas vezes deslocadas para contextos onde normalmente não estariam — como em composições clássicas europeias ou representações tradicionais de poder. Exemplos como a série “Negro Nobre” ou “Empatia” trazem esses rostos ao primeiro plano, confrontando o espectador com o contraste entre quem se vê reconhecido e quem é marginalizado.
Mais do que estética, há crítica embutida — ao papel que o espaço público exerce como palco de poder simbólico, onde quem domina a narrativa visual tem voz e visibilidade, e quem não tem, fica à margem. Para Pereira, a arte pública não é só visibilidade, é disputa: de quem pode ocupar espaços, de quem pode ser visto, de quem é lembrado.
Também merece destaque como o processo do artista articula materiais reutilizados, especialmente papéis coletados das ruas — seja de cartazes, lambe-lambes antigos, sobras ou papel descartado. Esse reaproveitamento material dialoga com as desigualdades: sugere que o que é tido como descartável ou invisível pode ganhar novo sentido, representar vozes silenciadas.
O resultado é uma exposição que incomoda propositalmente — não para chocar de maneira gratuita, mas para provocar incômodo reflexivo, despertar empatia, levantar perguntas que muitas vezes evitamos: quem manda na paisagem urbana? Que imagens estão faltando? Que rostos não vemos? Que narrativas omitimos? E, sobretudo, como podemos construir uma cidade mais inclusiva, reconhecendo as camadas visuais, simbólicas e históricas que moldam o nosso cotidiano.