Existe uma percepção popular de que a vítima de violência doméstica pode, de alguma forma, ter influenciado a ação do agressor. Essa ideia absurda ecoa socialmente como fruto de uma crença, infelizmente, ainda disseminada que traduz o real poder da força e da palavra masculina na construção de uma irrealidade.
É nesse sentido que a violência doméstica precisa ser reavaliada a todo momento, sendo imprescindível a atuação da justiça na garantia dos direitos das vítimas, indo além, provocando a desconstrução da desigualdade entre parceiros, que geralmente é associada a vários fatores.
Precisamos alcançar a lucidez entendendo que a violência doméstica contra a mulher deve ser considerada em toda a sua extensão e não apenas em sua esfera física, sobretudo, no que diz respeito ao âmbito familiar e profissional.
Quando sou procurada por mulheres nessa condição, sempre procuro analisar como é a vivência das mulheres que sofrem violência doméstica?
Porque pensem, é necessário reconhecer os sentimentos que envolvem o comportamento de uma mulher que é vítima, como por exemplo, conviver com o medo, vivenciar as lesões físicas causadas, a decisão de denunciar, que oscila entre as lembranças e o arrependimento, para que se desperte o sentimento de autonomia que, ao meu ver, é o fator libertador.
O medo, geralmente, paralisa as ações e impede a mulher de transformar o seu cotidiano, tornando-a refém. Então, em um momento a mulher é vítima do agressor e, em outro momento, é refém dos seus próprios sentimentos.
E ainda mais, nesse contexto é acrescentada às obrigações do dia-a-dia, que nunca cessam, as incertezas, as inseguranças, baixa estima, sentimento insuficiência, impotência, justamente porque a violência masculina tem o poder de transformar o cenário de uma vida.
Quando abordamos este assunto, precisamos lembrar que as marcas no corpo e a percepção da finitude humana, que as mulheres vítimas vivenciam em seu lar, amarram-nas a um círculo vicioso maléfico, arriscado e que deixa sequelas muitas vezes irreversíveis.
Só a partir do momento em que essas mulheres percebem a situação concreta de possível morte, é que surge a capacidade de enfrentar a situação. É aí que entra a rede de apoio para essa vítima, que é formada pela família, por políticas públicas, por outras mulheres que militam pela causa, por grupos terapêuticos e, claro, pela justiça.
As razões que levam as mulheres a denunciarem seus parceiros ocorrem pela necessidade de se cumprir, efetivamente, a garantia de seus direitos. Vale considerar que a busca por esse recurso advém da possibilidade da autoproteção e da proteção dos filhos.
Com efeito, as mulheres ganham forças para retomar as rédeas de suas vidas, reaprendem a ver o mundo apesar da violência vivida, vez que, com a decisão de denunciar a violência sofrida e tendo apoio para enfrentar as consequências que vêm pela frente, elas saem do estado de inércia, submissão e passam a ser protagonistas da sua história e não mais refém.
A submissão sufoca os pensamentos, que causam os sentimentos levando a um comportamento nocivo a si mesmo. No que tange ao direito e à justiça, como defensora dos direitos fundamentais e individuais, mantenho meu olhar atento e minhas mãos sempre dispostas a alcançar uma outra mulher que precise de ajuda.